27/05/2020 - Desenvolver ações de conservação nas áreas de desovas não é suficiente para promover a recuperação das populações de tartarugas marinhas no mundo ↓
A história da conservação de tartarugas marinhas no Brasil começa no início dos anos 80, quando o Projeto Tamar passou a proteger as principais praias de desova encontradas na costa brasileira. Nessas áreas, as ações de proteção estão basicamente direcionadas às fêmeas, quando sobem às praias para depositarem seus ovos, aos ninhos e aos filhotes, que quando eclodem, sobem à superfície da areia e rastejam até entrarem no mar. Essas 3 etapas são fases críticas do ciclo de vida de uma tartaruga marinha, portanto proteger as tartarugas nessas fases é fundamental no processo de recuperação das populações e também para que elas se mantenham em níveis saudáveis de conservação. No entanto, esse curto tempo do ciclo de vida que as tartarugas passam em terra, embora de grande importância, representa cerca de 1% do tempo total de vida de uma tartaruga marinha. O que acontece no mar, onde as tartarugas passam 99% do tempo de suas vidas? Será que não há nenhuma ameaça relevante? Será que as ações de conservação desenvolvidas em terra já são suficientes para proteger as tartarugas? Qual a importância de proteger as tartarugas no mar?
No final dos anos 80 e início dos anos 90, especialistas em tartarugas marinhas do mundo inteiro começaram a perceber que somente desenvolver ações de conservação nas praias de desova não era suficiente para promover a recuperação de algumas populações de tartarugas ao redor do mundo. Entre as ameaças identificadas no mar por esses especialistas, a captura incidental na pesca foi apontada como a principal delas, devido ao expressivo número de capturas e mortes que começavam a ser revelados em pesquisas divulgadas internacionalmente. Essas novas informações fizeram com que se ampliasse bastante a busca por informações sobre a captura incidental de tartarugas marinhas nas diferentes modalidades de pesca e, consequentemente, a busca por soluções para essa problemática.
Nessa mesma época, o Projeto Tamar/Fundação Pró-Tamar, entendendo a necessidade de estender a proteção aos juvenis e assim proteger todas as fases do ciclo de vida das tartarugas marinhas, inaugurou em 1991, em Ubatuba, litoral norte de SP, a primeira base da fundação localizada em uma área exclusivamente de alimentação de tartarugas. Posteriormente, o trabalho em áreas de alimentação foi estendido, quando foram inauguradas as bases de Almofala – CE em 1993 e Florianópolis-SC em 2005.
Nas áreas de alimentação, a única forma de observar as tartarugas marinhas é no mar. E nesses locais, quem encontra com elas é o pescador, que todos os dias está trabalhando no mar. Se por um lado a pesca ainda é apontada como a principal ameaça às tartarugas marinhas, por outro, o pescador tem sido o principal parceiro na pesquisa e busca de soluções para mitigar a captura incidental.
Assim, aqui no Brasil pescadores e pesquisadores têm unido esforços para solucionar, ou ao menos, minimizar esse problema e a explicação para isso é muito simples: capturar tartarugas marinhas não interessa a ninguém. O pesquisador quer reduzir essa captura pois tem como objetivo promover a recuperação das populações de tartarugas que, apesar de todos os esforços, ainda continuam ameaçadas. O pescador também não tem interesse, pois a captura de tartarugas gera prejuízos uma vez que danifica os petrechos de pesca, atrasa a faina de bordo e não tem valor de comércio algum ocupando, muitas vezes, o lugar de uma outra espécie na rede de pesca, ou anzol, que poderia ser comercializada gerando rendimentos aos pescadores. Finalmente, para as próprias tartarugas também é ruim, pois as populações ainda estão ameaçadas e precisam reduzir essa ameaça para que possam se recuperar. Portanto, a captura incidental de tartarugas é um daqueles eventos em que todos os envolvidos perdem, não existindo uma parte que seja beneficiada e, por isso mesmo, pesquisadores e pescadores compartilham o mesmo interesse na busca de soluções para esse problema.
Por fim, desenvolver ações de proteção e conservação em áreas de alimentação é fundamental e, usualmente, beneficia múltiplas populações de tartarugas marinhas. Isso ocorre porque algumas áreas de alimentação acabam reunindo tartarugas de diferentes origens, formando o que os pesquisadores chamam de estoques mistos. Estudos de genética desenvolvidos em Ubatuba, por exemplo, revelaram que as tartarugas-verde (Chelonia mydas) que estão se alimentando por lá são provenientes de áreas de desova localizadas na Ilha de Ascensão (território ultramarino britânico), Ilha Aves (Venezuela), Ilha de Trindade (Brasil), entre outros locais. O mesmo acontece com áreas de alimentação da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), existentes na região oceânica pelágica em frente à costa sudeste-sul do Brasil. Estudos de genética realizados com as tartarugas-cabeçuda que foram capturadas incidentalmente nessas áreas revelaram que os animais que ali estavam eram provenientes não só do Brasil, mas também de lugares bem distantes como: África do Sul, Omã (Oceano Índico) e até Austrália (Oceano Pacífico). Essas descobertas deixam ainda mais evidente que as divisões geográficas criadas pelo homem não são barreiras migratórias para as tartarugas marinhas e que a única forma de as proteger integralmente é através de um esforço mundial conjunto.
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