14/04/2017 - Recomendações para reduzir o nível de sobreposição da pesca com a tartaruga-cabeçuda no RS. Leia mais. ↓
O litoral do Rio Grande do Sul (RS) é uma importante área de alimentação para a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), tartaruga-verde (Chelonia mydas) e tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea). A cada ano, centenas de tartarugas marinhas, principalmente das espécies cabeçuda e verde são encontradas mortas nas praias desta região. A pesquisa de doutorado intitulada “Encalhes de tartarugas marinhas e uso do habitat por Caretta caretta no sul do Brasil” constatou o aumento da mortalidade destas duas espécies na última década e recomenda a implementação de medidas para reduzir o nível de sobreposição da pesca, principalmente com a tartaruga-cabeçuda no Rio Grande do Sul.
No litoral gaúcho, a atividade pesqueira é intensa e a captura incidental na pesca é reconhecida mundialmente como uma das principais ameaças à sobrevivência desses animais. A pesquisadora Danielle Monteiro, que é Coordenadora Científica do Projeto Tartarugas Marinhas, do Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental - NEMA e Pesquisadora do Laboratório de Ecologia e Conservação da Megafauna Marinha – EcoMega-FURG, analisou 20 anos de dados de monitoramentos realizados mensalmente nas praias do RS. O estudo foi realizado em parceria com o NEMA, que forneceu a maior parte dos dados utilizados na tese.
Como conta Danielle, “este aumento, em parte, está relacionado com o crescimento do número de fêmeas que desovam nas praias da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Entretanto, o número de animais mortos é muito superior ao crescimento observado nas populações de tartarugas marinhas, o que sugere que alguma mudança ainda não compreendida, provavelmente relacionada com as pescarias de arrasto e emalhe de fundo, deve explicar uma parte deste aumento na mortalidade de tartarugas marinhas no RS”, diz a pesquisadora.
A maioria dos registros de tartarugas obtidos nas praias, cerca de 80%, ocorreu entre os meses de outubro e março. As áreas de maior esforço da pescaria de arrasto de parelha, no verão, estiveram bem próximas às áreas de maior número de tartaruga-cabeçuda e tartaruga-de-couro encontradas mortas nas praias. Em relação à tartaruga-verde, as áreas de maior ocorrência de indivíduos nas praias estiveram próximas às áreas de maior esforço das pecarias de emalhe.
Telemetria
Para o cumprimento de dois dos objetivos da tese a telemetria por satélite foi utilizada para o monitoramento de 16 tartarugas da espécie cabeçuda, a maioria juvenil. Os transmissores presos às carapaças das tartarugas, entre os anos de 2013 e 2015, enviaram sinais captados por satélites e processados em uma central de dados. Com isto foi possível obter diariamente a localização de cada tartaruga rastreada. Sete tartarugas enviaram dados por mais de um ano.
Um dos principais resultados deste estudo de telemetria foi descobrir que as tartarugas cabeçuda que utilizam o RS como área de alimentação podem permanecer o ano todo nessa região. “Antes da realização deste estudo utilizando o rastreamento dos indivíduos com transmissores de satélite pensávamos que no final do outono as tartarugas que estavam no RS se deslocavam para regiões com águas mais quentes”, completa Danielle.
Além disso, dois comportamentos em relação ao uso do ambiente marinho foram observados. Oito tartarugas permaneceram a maior parte do tempo na região costeira e cinco tartarugas utilizaram a região oceânica (distante mais de 150 km da costa) por período similar ou superior ao tempo na região costeira. Mesmo animais próximos ao tamanho adulto continuaram utilizando a região oceânica como área de alimentação, contrariando as informações mais antigas a respeito do ciclo de vida das tartarugas marinhas, que indicavam que grandes juvenis e adultos de tartaruga-cabeçuda, após uma fase de desenvolvimento na região oceânica, deslocavam-se para as áreas costeiras e não retornavam às áreas oceânicas para alimentação.
A telemetria mostrou que as áreas mais utilizadas pelas tartarugas cabeçuda, no verão e no outono, foram também as áreas mais utilizadas pela pesca de arrasto de parelha e pela pesca com redes de emalhe, no outono. “Essa sobreposição entre as áreas de alimentação das tartarugas e as áreas utilizadas pela pesca torna as tartarugas muito vulneráveis à captura incidental nestas pescarias”, diz Danielle.
Esqueletocronologia e análise de marcadores químicos
Esqueletocronologia é o estudo de marcas de crescimento nos ossos. A partir da contagem destas marcas, é possível determinar a idade dos animais. A análise de marcadores químicos é a análise de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio nestes mesmos ossos e permite determinar, para cada ano de vida, se a tartaruga estava se alimentando próximo à costa ou na região oceânica, e quais os tipos de alimento mais consumidos.
Através da combinação dessas duas técnicas, a esqueletocronologia e a análise de marcadores químicos, a pesquisa identificou que o estágio oceânico, conhecido como “os anos perdidos” das tartarugas cabeçuda, pode durar em média 13 anos. “No entanto, vimos que a idade de mudança no uso do ambiente, da região oceânica para a costeira, pode ser muito ampla, variando entre 8 e 18 anos”, explica a pesquisadora.
Resultados
Com os resultados obtidos a partir do desenvolvimento desta tese foram propostas as seguintes recomendações com vistas à diminuição da mortalidade das tartarugas marinhas no sul do país:
- Implementação de medidas para reduzir o esforço pesqueiro e o nível de sobreposição com a tartaruga-cabeçuda no Rio Grande do Sul e, portanto, sua mortalidade;
- Determinação das taxas de captura incidental e mortalidade de tartarugas marinhas nas pescarias de arrasto e emalhe de fundo;
- Realização de análises de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio em tecidos de renovação mais rápida, como células vermelhas, plasma e músculo, para aumentar a resolução e a compreensão dos movimentos de ida e retorno entre os ambientes oceânico e costeiro;
- Realização de estudos de telemetria com indivíduos adultos da tartaruga-cabeçuda, que utilizam a região subtropical do Atlântico Sul Ocidental como área de alimentação, a fim de verificar se estes apresentam grande variação individual quanto ao uso do habitat, semelhante ao identificado para os indivíduos juvenis.
A pesquisa “Encalhes de tartarugas marinhas e uso do habitat por Caretta caretta no sul do Brasil” foi realizada na FURG, no Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica sob a orientação dos Professores Eduardo Resende Secchi e Leandro Bugoni, com período de doutorado no exterior, no Southwest Fisheries Science Center - NOAA, sob a orientação dos pesquisadores Jeffrey Seminoff e Yonat Swimmer.
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